segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Árvores no outono

"As coisas nítidas confortam, e as coisas ao sol confortam. Ver passar a vida sob um dia azul compensa-me de muito. Esqueço indefinidamente, esqueço mais do que podia lembrar.

Certas horas-intervalos que tenho vivido, esculpidas na ternura do isolamento, ficarão para sempre como medalhas. Nesses momentos esqueci todos os meus propósitos de vida, todas as minhas direções desejadas. 

Em todas as minhas horas libertas uma dor dormia, floria vagamente por detrás dos muros da minha consciência, em outros quintais; mas o aroma e a própria cor dessas flores tristes atravessavam intuitivamente os muros, e o lado de lá deles, onde floriam as rosas, nunca deixava de ser, no mistério confuso do meu ser, um lado de cá esbatido na minha sonolência de viver.

Foi num mar interior que o rio da minha vida desaguou. Ao redor da minha casa sonhada todas as árvores estavam no outono. Os momentos mais felizes da minha vida foram sonhos, e sonhos de tristeza, e eu via-me nos lagos deles como um Narciso cego, próximo da água, sentindo-se debruçado nela, por uma visão anterior e noturna, segredada às emoções abstratas, vivida nos recantos da imaginação com um cuidado materno em preferir-se.
Vivi sempre isolado, e cada vez mais isolado, quanto mais dei por mim."

Fernando Pessoa