quarta-feira, 25 de julho de 2007

Atitude

"Era uma noite de terça-feira, eles viam televisão deitados na cama. Ele levantou-se para tomar água. Ao passar pelo quarto das crianças, resolveu entrar. Empurrou a porta e encontrou um bicho, semelhante a um lagarto, comendo o menino mais velho, de três anos a meio.
Paralisado, não sabia se devia entrar e tentar assustar o animal, para que ele largasse a criança. Ou se devia recuar e pedir auxílio. Ele não sabia a força do bicho, só que devia ser monstruosamente forte. Ao menos, forte demais para ele, franzino funcionário.
Se acendesse a luz do corredor, poderia verificar melhor que tipo de animal era. Mas não se tratava de identificar a raça e sim de salvar o menino.

Como é que uma coisa assim tinha entrado pela casa a dentro?
Bem que ele avisava a mulher para trancar portas. Qualquer dia, em vez de um bicho, haveria um homem roubando tudo, a televisão colorida, o liquidificador, a coleção de livros com capas douradas.
Precisava intervir. Como? Não tinha armas em casa e o cunhado sempre dizia que era coisa necessária. Ali estava a prova. Queria ver a cara do cunhado, quando contasse. Não ia acreditar e ainda apostaria duas cervejas como tal animal não existia.

O bicho mastigava o que lhe pareceu um bracinho e o funcionário teve um instante de ternura ao pensar naqueles braços que o abraçavam tanto.
Não conseguia dar um passo, sentia-se pregado à porta. Preferia não ter visto o lagarto, encontrar a cama vazia, as roupas manchadas de sangue.

Se gritasse, o lagarto iria embora? Continuou pensando nas coisas que podia fazer, até que a mulher chamou, uma, duas vezes. Depois ela gritou a ele recuou. A medida que recuou perdeu a visão do quarto. Sentindo-se aliviado, pelo que não via. A mulher chamava e ele pensou: o menino não chorou, não deve ter sofrido.
Voltou ao quarto ainda com esperança de salvá-lo pela manhã a decidiu nada dizer à mulher. Apagaram a luz, ele se ajeitou, cochilou.

Acordou sentindo um cheiro ruim e quando abriu os olhos viu sobre seu peito a pata, parecida com a de um lagarto. Paralisado, não sabia se devia tentar assustar o animal, ou tentar sair da cama a pedir auxílio. Pelo peso da pata, o bicho devia ser monstruosamente forte. Ao menos, forte demais para ele, franzino funcionário."

Ignacio de Loyola Brandão