segunda-feira, 25 de maio de 2009

Calvário

"Se ergo às vezes de mim os meus olhos de ver-me, dói-me e arde-me fitar a nitidez e independência-de-mim da vida claramente externa, da existência dos outros, da posição e correlação dos movimentos no espaço.
Encontro-me então, nestas almas em que me precipito às vezes, desamparado e oco, parecendo que morri e vivo, pálida sombra dolorida, que a primeira brisa deitará por terra e o primeiro contato desfará em pó.

Pergunto então a mim próprio se valerá a pena todo o esforço que pus em me isolar e elevar, se o lento calvário que de mim fiz para a minha Glória Crucificada valerá religiosamente a pena? E, ainda que saiba que valeu, pesa-me nesse momento o sentimento de que não valeu, de que não valerá nunca. "
Fernando Pessoa